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Agir, mas não muito
Embora descalabro sírio autorize intervenção, Estados Unidos terão
de atuar sem aval da ONU e de forma pontual e limitada
Intervenções estrangeiras em países conflagrados, como esta que os Estados
Unidos e seus aliados pretendem realizar na Síria, são duvidosas em legitimidade
e eficácia. Não deveriam ser aceitas exceto em casos extremos.
O ideal seria que uma mesma lei, admitida por todos, regesse as nações --os
Estados que a transgredissem seriam punidos pelo conjunto dos demais. Embora
esse sonho pareça menos remoto do que no passado, as nações ainda vivem em
estado de natureza; vale o poder do mais forte.
A Carta da ONU conferiu a cinco países --Estados Unidos, Rússia, China, Reino
Unido e França-- o direito de legitimar ações armadas, mas também deu a cada um
deles o poder de veto. Raramente, por isso, o Conselho de Segurança alcança a
unanimidade requerida.
Também do ângulo da eficácia ressaltam percalços. Por cirúrgica que seja, uma
operação dessas produz vítimas inocentes e danos colaterais. Cria uma dinâmica
imprevisível no país agredido, plantando sementes de ressentimento.
A terrível situação na Síria configura, porém, um dos casos em que o
morticínio maciço, cruel e endêmico faculta essa solução. Ali, há dois anos e
meio o ditador laico Bashar al-Assad está em guerra contra uma insurgência
armada que impregnou a sociedade inteira.
O déspota recebe apoio da Rússia e do Irã, razão suficiente para ser
hostilizado pela Turquia e pelas potências ocidentais. A guerra civil matou mais
de 100 mil pessoas e expulsou 10% da população para fora das fronteiras sírias.
Atrocidades são cometidas pelo governo e pelas forças rebeldes. Parcela
expressiva destas está alinhada ao extremismo islâmico. A gota d'água no
sangrento impasse foi o alegado emprego de armas químicas pelo ditador no último
dia 21, num ataque nas proximidades de Damasco que deixou mais de 1.400 mortos.
Era essa a linha vermelha que o presidente americano, Barack Obama, fixara
como limite para que seu país não interviesse.
Mas os tambores da guerra tocam em surdina. Escaldados pelos atoleiros do
Afeganistão (onde os EUA estavam certos) e do Iraque (onde estavam errados), os
governos ocidentais tergiversam. O Parlamento britânico negou autorização ao
premiê David Cameron, que se aprestava a agir. Resta o presidente francês,
François Hollande, que ainda consulta o Legislativo.
O próprio Obama consultará o seu, embora se declare decidido. Não precisa de
autorização para uma investida que, tudo indica, será breve e limitada,
destinada a garantir credibilidade às ameaças que o Prêmio Nobel da Paz de 2009
anda distribuindo.