Monday, October 17, 2011

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hhehe isso era de 1999, e eu só assiti ontem.
Release

Vozes Dissonantes

Patrocinado pela extinta Comissão Nacional para a Comemoração do V Centenário, o espetáculo fala sobre os rebeldes brasileiros que levantaram suas vozes contra ordens oficiais do país através desses cinco séculos de história. O espetáculo foi sugerido pelo presidente da então comissão,Embaixador Lauro Barbosa Moreira, que orientou muitas das leituras e temas para Denise, que teve inteira liberdade de montar sob seu ponto de vista, o espetáculo.

O novo presidente do Comitê Executivo, que substituiu a Comissão, não aprovou, nem apoiou o projeto. Pediu mesmo para não ser feito, dizendo que já tem tanta gente falando mal do Brasil porque mais. Mas Denise já estava envolvida com o espetáculo, com a causa, já havia sido patrocinada na montagem, e achou ainda mais questão de honra levá-lo ao público, mesmo contra o asssentimento do ministro do turismo que encomendou hino a uma dupla sertaneja e até o final recusou a liberar parcela para divulgação e promoção da peça. O Sesc assumiu e assim apresentou-o ao público brasileiro.

O espetáculo aborda expressões de filósofos, estetas, políticos, poetas, de figuras como Padre Antônio Vieira se manifestando contra a escravatura, passando por análise do papel de Tiradentes, manifestações de José Bonifácio, idéias de Milton Santos e outros que nos inspiram com sua coragem autoral a criação de novos rumos para uma sociedade ainda tão jovem e plena de futuro. Espetáculo otimista porque acredita na ação, e reflexivo porque vasculha nossas momentos libertários e as vozes que os promulgaram, sempre com vistas em proporcionar fortalecimento de atitudes responsáveis e de transformação.

CRITICA AS VOZES DISSONANTES DE DENISE STOKLOS

Há alguns dias atrás, depois de vários anos, fui ver Denise Stoklos, uma das figuras mais conhecidas do teatro brasileiro, fora do Brasil (nada menos que trinta e um países). Vi no camarim, por acaso, uma crítica saída há pouco em Nova York, de vinte e uma páginas, onde é minuciosamente estudada como atriz/autora/diretora e considerada um caso único no mundo.

O espetáculo aqui no SESC de Copacabana em arena, provocou a admiração e a emoção geral, com jovens que reivindicavam tal apresentação nos longínquos bairros em que moravam.

Nenhum momento de indiferença, porque ninguém fica indiferente diante de um texto, cuja função é ser pretexto de uma investigação através da dança, da música, da palavra, do corpo, daquilo que se é, do que vimos sendo nestes quinhentos anos, sob as inúmeras capas que nos obrigam a vestir desde o nascimento.

Quem eu sou, por trás daquilo que me obrigam a ser e que vou copiando com maestria num processo de despersonalização, desindividualização, desidentificação? Sobretudo na época em que só se pensa na globalização?

A expressão corporal de D.S. é impressionante, cada vez mais impressionante, de tal modo ela se movimenta em “acrobacias” e expressões faciais, chamando a atenção de forma irônica/brincalhona para todos os períodos de nossa formação histórica, lembrando Gregório, Vieira, Castro Alves, o índio, o negro, chegando aos dias atuais. Diga-se que o espetáculo começa com uma leitura de João Cabral.

Em prodigiosos exercícios de contração/descontração, expressão facial, uso das mãos que impressionam mais que um Marcel Marceau, apontando o caminho que pode conduzir ao desespero do não ser pela impossibilidade de entregar-se àquilo que se poderia ser: o dia-a-dia corrido, sem espaço para o diálogo, o amor, a realização pessoal.

Uma proposta que obriga a refletir sobre os valores que deixaram de ser os impostos pela contingência e se rehierarquizam a partir de dentro, a partir da auto-estima, que leva ao encontro com o outro.

O espectador atento é chamado a participar do que ocorre: esta a força da arte de Denise Stoklos.

Nenhuma intelectualização, apenas a palavra feita dança e corpo em movimento transformada em ato de amor real.

Denise acredita nisto, que pela arte se pode chegar a uma compreensão dos nossos conflitos, sem atribuir a “forças ocultas” nossa impossibilidade humana de viver em plenitude.

Nosso fracasso é a vitória da verdade sobre a não-verdade, do amor sobre a cólera, da união sobre a fragmentação.

Sua arte Poe o Brasil lado a lado com outros países, com a vantagem de apontar para a esperança, que renasce em cada um de nós, depois de revê-la.

Por Marly de Oliveira - Junho de 2000