Thursday, April 14, 2011

O Direito do Calar

Ontem terminei de ler Coisas da vida. Como o assunto anterior foi ... por que abri minha boca? A outra crônica que me chamou a atenção foi "o direito de Calar".

Bom, depois da overdose Martha, os próximos dias serão dedicados ao H.D. Thoreau. Walden.


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O Direito de Calar

“Você tem o direito de permanecer calado, tudo o que disser poderá ser utilizado contra você“. Não e exatamente isso, mas e algo assim que os policiais dizem ao prender um suspeito, ao menos nos filmes americanos. O melhor a fazer e não dar um “ai“ e telefonar logo para o advogado pedindo instruções.
Essa advertência e dada apenas no momento em que se esta prendendo alguém, o que e uma discriminação. Nos que em principio não somos suspeitos de cometer crime algum, também deveríamos ser lembrados do nosso direito de ficarmos calados antes de nos pronunciarmos em qualquer ocasião. Eu, por exemplo, não roubo toca fitas, não assalto supermercados, não agrido idoso, mas já cometi uma serie de infrações verbais. Somos todos suspeitos de ter ferido um amigo com nosso sarcasmo, de ter revelado um segredo que nos foi confiado, de ter falado da nossa intimidade com quem não tinha nada haver com a nossa vida. Quem mandou ser bocudo! Tudo o que foi dito num bate papo der bar acaba ganhando status de depoimento e um dia poderá se voltar contra nos. A gente se abre e depois vem alguém e usa nossas próprias declarações para nos acusar.
Dentre os melhores inícios de livros, eu citaria a primeira e impaciente frase: Seu Rosto Amanha de Javier Marías: ”Ninguém nunca deveria contar nada nem fornecer dados nem veicular historias nem fazer com que as pessoas recordem seres que nunca existiram nem pisaram na terra ou cruzaram o mundo, ou que, sim, passaram, mas já estavam meio a salvo no retorcido e inseguro esquecimento”. E o livro prossegue nesta vigorosa e apaixonante defesa do silêncio, por mais contraditório que isso possa SER, pois se não contássemos nada, não existiriam livros.
Palavras salvas, mas também nos deixam vulneráveis. Tudo o que falamos entra pelos ouvidos alheios, e retido numa espécie de caixa forte que será reaberta na hora em que considerarem por bem nos culparem de alguma coisa. Lá estarão, guardadas como prova de delito, nossas inúmeras contradições, as ofensas ditas no calor de uma briga, as promessas de amor que não se cumpriram, os comentários ferinos que fizemos, as inconfidências, os vacilas, o que gaguejamos covardemente e o que enfatizamos aos gritos, nossas farpas confissões, tudo o que confiamos aos outros na esperança de não sermos traídos (e tudo o que dissemos traindo a nos mesmos), os pensamentos que já não pensamos mais, os ideais que não se sustentaram, nossos “palavrões” e nossas medíocres palavrinhas, poucas delas alcançando a comunicação desejada e quase nenhuma chegando perto do que somos de verdade."
MARTHA MEDEIROS